JANINE ARAUJO DE JESUS

JANINE ARAUJO DE JESUS

06/03/2024

JANINE ARAUJO DE JESUS

Moradora do bairro de Tancredo Neves, caçula de uma família de cinco (5) irmãos e membra do quadro de professores do Instituto Cultural Steve Biko, desde 2019, Janine Araújo de Jesus finalizou mais uma etapa vitoriosa em sua vida, ela e recém graduada de Licenciatura em Matemática pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Durante toda sua trajetória educacional, Janine estudou em escola pública e teve como referência a sua irmã, a primeira da família a ingressar em uma universidade pública, a mesma que a sua, a UFBA.

Nesse bate-papo, a mais nova matemática baiana nos conta um pouco de sua trajetória, nada fácil e comum de toda mulher negra, nordestina e periférica, tendo como horizonte o seu lugar de importante referência para transformação social de toda sua família.  

Steve Biko: Como foi a sua trajetória até chegar a uma universidade?

Janine de Jesus:  Minha trajetória foi muito árdua. Sou caçula de uma família de 5 irmãos, perdi meu pai aos 10 anos e a vida sempre foi muito dura. Estudei em escola pública a vida toda e tive como referência minha irmã, a qual foi a primeira a ingressar em uma Universidade pública, Universidade Federal da Bahia (UFBA), no curso de Licenciatura na 6ª tentativa de ingresso, todo ano ela prestava vestibular e passou por insistência e persistência. Assim que concluí o ensino médio, prestei 3 anos seguidos o vestibular para universidade pública e sem sucesso. Então resolvi fazer o vestibular da Fundação de Apoio à Educação e Desenvolvimento Tecnológico (CEFET-BA) e ingressei no curso Técnico em Automação e Controle Industrial, o qual abriu as portas para o mercado de trabalho e me permitiu conseguir pagar um curso preparatório e ingressar na UFBA, em Engenharia de Controle e Automação Industrial. Hoje me graduei em Licenciatura em Matemática-Noturno.

 

 

Steve Biko: Sempre quis fazer este curso ou teve mudanças por algum motivo?

Janine de Jesus: No início, eu atuava na indústria e gostava muito da minha área de atuação como Técnica de Automação, e como eu queria continuar nesta profissão e crescer profissionalmente ingressei neste curso de Engenharia, fiquei até o 6º semestre, porém, chegou a maternidade e foi difícil conciliar vida profissional, acadêmica e ser mãe. E, devido ao momento político, época da Operação Lava Jato, fiquei desempregada e por influência de minha irmã que já atuava na área da docência resolvi mudar de curso e ingressar na Licenciatura, por ser uma área profissional que fornece uma flexibilidade nos horários de trabalho, assim podia conciliar com a profissão “mãe”. Realizei novamente vestibular e ingressei no curso de Licenciatura em Matemática na UFBA.

 

  

Steve Biko: Você alcançou a universidade por meio de alguma política pública?

Janine de Jesus: Participei do Programa Oficina de Cidadania, curso preparatório gratuito foi quando ingressei no Curso Técnico, mesmo com a formação técnica tive que fazer um curso preparatório para ingressar na Universidade.

Steve Biko: Acredita que a universidade pública está preparada para receber e acolher uma estudante negra ou um estudante negro? Por quê?

Janine de Jesus: Não. Porque eu tenho experiência dentro da Universidade. Sofri muito preconceito por ser negra e pobre. Muitos colegas de sala me excluíam e eu não entendia o porquê, só quando um desses colegas, brancos, me perguntou se eu tinha ingressado na UFBA, pelo sistema de cotas, e eu ingressei pelo sistema de cotas, daí que consegui entender esse olhar diferente sobre mim, pois eu era um corpo estranho ocupando um lugar de público masculino, branco e elitista, pois se tratava de um curso de exatas. Eu só tive esta certeza quando a Biko me deu a oportunidade de conhecer a Educação Antirracista e mostrar o empoderamento para me impor diante desta sociedade, a abrir meus olhos e armar de conhecimentos necessários para reconhecer o racismo em frases impregnadas de preconceitos e “normalizadas” para muitos, como por exemplo esta dita por este colega.

Steve Biko: Quais os principais obstáculos que você enfrentou dentro de uma universidade pública sendo uma mulher negra e periférica?

Janine de Jesus: Todas possíveis, preconceito de raça, de gênero. Mesmo com curso técnico eu tive muita dificuldade de acompanhar o curso, pois não tive uma base de conhecimentos suficientes dentro da escola pública. Ninguém e nenhum professor fala que você tem subsídios que pode pleitear como auxílio transporte, refeição gratuito no restaurante universitário, deixar seu filho na creche da UFBA, direito a xerox gratuita, então se você não tem pessoas aqui fora para te orientar sobre tudo isso, você acaba desistindo e isso não pode acontecer.

Steve Biko: O que te deu força de não desistir tendo em vista tantos obstáculos?

Janine de Jesus: Os meus filhos! Sempre pensei, e penso, que devo abrir caminhos para que eles e outros possam ter um futuro melhor. Minimizar este enfrentamento de obstáculos sociais que, infelizmente, eles ainda passam e quebrar essas barreiras para que eles sofram menos do que eu sofri.

                                       

Steve Biko: E como é está formada em um curso de sua escola. É uma sensação de vitória?

Janine de Jesus: Lindo e quando lembro me emociona. A luta foi árdua, porém ainda tenho um caminho pela frente, mestrado, doutorado, pós-doutorado e sei que enfrentarei outros obstáculos, só que com mais maturidade, sabendo me impor diante dessa sociedade racista.

Steve Biko: Você considera a sua graduação como uma vitória individual ou coletiva? 

Janine de Jesus: Coletiva. Sozinho, você não consegue continuar na universidade. Tive referência familiar, pessoas que me impulsionaram, a família foi essencial e ter alguns colegas pretos, periféricos dentro da universidade, assim como eu me ajudou neste triunfo.

Steve Biko: Como sua graduação em Matemática pode contribuir para que a sociedade baiana repense o racismo?

Janine de Jesus: Eu penso que conhecimento deve ser repassado e não retido, trancafiado com você, com esta experiência de vida, empoderando as pessoas ao seu redor, inclusive dentro da família, você começa a normalizar e fazer com que a sociedade se conscientize que podemos ocupar lugares de destaque ou qualquer espaço que quisermos estar.

Steve Biko: E como o Instituto Cultural Steve Biko foi fundamental para você chegar até aqui?

Janine de Jesus: A família Biko é o ambiente que você se renova, o conhecimento flui de forma harmônica, o acolhimento de todos os colaboradores é primordial para que você nunca pense em desistir de seus sonhos. A Biko é minha segunda casa, a força, a ancestralidade dentro deste ambiente é crucial para o nosso viver e a impulsionar você a enfrentar os obstáculos e alcançar seus objetivos.

Eu quero simplesmente agradecer a Deus e a todos que tornaram e tornam meus sonhos realidade. “Sonho que se sonha só é só um sonho, mas o sonho que se sonha junto é realidade”. (Raul Seixas)

 

 

Steve Biko: Qual a mensagem que você gostaria de deixar para os estudantes que devem entrar em uma universidade pública e que ainda, infelizmente, vão enfrentar os mesmos problemas que você enfrentou?

Janine de Jesus: Nunca desista de seus sonhos, caso sinta-se acuado e inseguro procure ajuda, o corpo de assistentes sociais da Biko e a própria Universidade tem programas de amparo psicológico para os estudantes, digo isso porque passei um período em atendimento com esses profissionais e foi crucial para minha continuidade no curso até a formação. Os obstáculos podem tentar atrasar seus sonhos, mas eles servem para acelerar sua determinação para não parar de lutar e alcançar seus objetivos.

 


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