Na noite do dia 02 de setembro, a Biko teve a honra de receber Carl Hart. Questões referentes à sua trajetória pessoal e sua inovadora pesquisa sobre os efeitos das drogas no cérebro humano foram alguns dos assuntos compartilhados com bikudos e bikudas. A palestra foi um dos principais destaques da disciplina Cidadania e Consciência Negra no ano de 2015, visto que várias situações que afetam diretamente a vida da comunidade afro-brasileira e afro-americana foram abordadas, principalmente o impacto da guerra às drogas nas altas taxas de mortalidade de jovens negros no Brasil.
Carl Hart:
É muito bonito ver todos vocês aqui. Principalmente quando eu vejo a fotografia de Steve Biko, conectando este instituto à África e me conectando à África. Todos nóssSomos todos aqueles que foram retirados da África, tentando encontrar um caminho nesse mundo que tem sido tão hostil em comrelação a nós. Nesses esforços de buscarmos caminhos neste semundo hostil, todos vocês estão aqui tentando descobrir quais são as regras do jogo.
O que eu gostaria de fazer esta noite é tentar ajudar vocês a descobrirem quais são algumas das regras desse jogo. Eu gostaria de compartilhar algumas dicas com vocês que eu acredito serem úteis a medida que vocês caminham por esse mundo hostil. Uma das primeiras lições que eu aprendi, e que foi muito útil para mim, e eu gostaria de compartilhar com vocês é que: Esse mundo não dá a mínima pra vocês! Vocês devem estar cientes disso, e isso vai ajudá-los a fazer o que pretendem fazer. Esse conhecimento de que o mundo não liga para vocês não é para desencorajá-los, eu compartilho para motivá-los. Quando eu falo que o mundo que não liga para nós, eu estou generalizando e falando dessa porção mais privilegiada da sua sociedade.
Existem pessoas no mundo que se importam com vocês, eu me importo com vocês. , eu eEstou portanto escrevendo de tal maneira que eu possa retratar e falar em nome de pessoas como vocês e para ajudá-los a pensar criticamente. Toda vez que vocês lerem, procurem saber sobre o autor da obra que vocêvai ler. Compreendam que as pessoas, na maioria das vezes que escrevem essas publicações, elas não estão interessadas em beneficiá-los, e a partir do momento que você tem conhecimento disso é possível avaliar essas publicações dentro do seu contexto. Então aprendam a conhecer sobre quem é que está escrevendo. Compreendam que os seus administradores políticos não têm em você como prioridade; , eu não estou desencorajando vocês, eu digo isso para motivá-los a escrever. Porque se você não contar sua própria história alguém irá f com sua história! É assim que funciona!
É importante que vocês compreendam para vocês compreenderem porque são os jovens dessa sociedade, mudanças radicais não ocorrem em nenhuma sociedade sem a participação dos jovens. No Brasil a maioria das pessoas que são assassinadas pela polícia são em geral homens jovens e negros, e a mesma coisa ocorre nos Estados Unidos.
Nos Estados Unidos surgiu houve o surgimento d o movimento “A Vidas Negras Importam”, essas jovens do movimento estão bastante irritadas com a maneira que os jovens negros e negras estão sendo tratados na sociedade norte americana e elas decidiram tomar alguma atitude em relação ao problema. Elas tornaram-se pessoas que aparecem nos espaços públicos e perturbam a ordem pública, interrompem eventos políticos. Quando candidatos políticos, por exemplo, estão fazendo os discursos, essas militantes do movimento sobem no palco e arrancam o microfone da mão desses políticos. Elas têm organizado protestos e colocam suas próprias vidas em risco porque elas sabiam que se não tomassem as rédeas dessa iniciativa, ninguém mais o faria.
O que está acontecendo é que as pessoas que estão mais velhas na sociedade americana já estão mais confortáveis, então se vocês quiserem oportunidades na sociedade brasileira enquanto jovens, não se iludam, a única forma de vocês obterem oportunidade é protestando, interrompendo eventos públicos. Se r Reúnam para aprender a fazer este tipo de intervenção da maneira mais estratégica e inteligente possível, se vocês não fizerem, nada vai mudar e seus filhos e filhas terão que lidar com o mesmo tipo de circunstâncias, geração após geração. Então, você tem que se olhar no espelho e perguntar-se “que tipo de pessoa sou eu que não me posiciono em relação a isso?”.
Perguntas de estudantes e colaboradores
Como se sente nesses espaços majoritariamente brancos?
É muito difícil ser o único nesses espaços os quais eu frequento, mas não é nada comparado com a pobreza e as condições de vida que eu cresci, já aceitei o fato de lidar com pessoas brancas da maneira que lido. , o O que vai acontecer é que isso vai ter um impacto na minha vida de tal modo que vai diminuir o meu tempo de vida na terra (risos) e eu já aceitei isso, mas se eu não fizer a minha parte para ajudar a sua geração, a minha vida não vale a pena ser vivida.
Como desenvolver essa a discussão sobre drogas e ao mesmo tempo não incentivar as pessoas a usá-las?
Meu Aargumento é que as drogas não são o problema, porque de 80 à e 90 por cento das pessoas que são usuárias de drogas, usam sem que as mesmas sejam serem problemas para elas, pois elas não são viciadas, cuidam das suas atividades, são pessoas boas, várias dessas pessoas são seus administradores políticos e são brancos. Eu devo confessar que o meu próximo livro está voltado para essa questão de como as pessoas devem fazer o uso das drogas. Os humanos têm utilizado drogas desde que começaram a habitar a terra e as drogas podem ajudar a ampliar a experiência humana. Eu inclusive utilizo drogas com esse objetivo, álcool, cafeína, há uma série de drogas. Mas as pessoas devem aprender a usá-las de maneira segura e esse é o meu próximo livro.
A partir do momento que você remove dessa equação o problema de que as drogas são muito perigosas e causam muitos danos, nós podemos então começar a falar do fato de que a maioria dessas pessoas que são rotuladas como usuárias de drogas são pessoas que não têm educação formal, que não tem emprego, são pessoas discriminadas racialmente. Então, eu estou tentando ajudar as pessoas a compreenderem que as drogas não são o verdadeiro problema, de tal maneira que possamos focar nos assuntos que são realmente relevantes. , pPorém é claro que os nossos políticos não querem que a gente tire o foco da droga em si, porque isso significa que vamos passar a exigir outros tipos de iniciativas. Eles sabem que essas drogas não são problemas porque eles são usuários de drogas, acreditem em mim, confiem mim, eu sei que eles usam essas drogas, eu já aconselhei essas pessoas a utilizarem essas drogas de maneira segura.[RLS2]
Esclareça sobre o episódio de discriminação racial sofrido pelo senhor num hotel em São Paulo.
Eu publiquei um vídeo esclarecendo as questões sobre esse evento, alguns de vocês devem ter assistido. Nada aconteceu diretamente comigo, tinham seguranças que tentaram ou me parar, mas eu não vi nada daquilo acontecer, mas o que eu gostaria de dizer é que não deveríamos focar em discriminação racial quando acontece com uma pessoa como eu, e sim quando ocorrem incidentes como o que ocorreu no bairro do Cabula. Aquele incidente deveriam levar as pessoas às ruas, todos nós deveríamos estar nas ruas protestando, e não protestar contra uma situação que ocorre com um professor num hotel cinco estrelas. Acreditem que se isso ocorresse diretamente comigo todas as pessoas estariam sabendo e esse segurança não teria ficado de pé, [RLS3] eu sei me cuidar.
Como está a se dando o diálogo sobre as drogas nos Estados Unidos?
Estou sempre viajando, dando palestras, falando com políticos, membros das comunidades, escrevendo para as pessoas que estão encarceradas, tentando mostrar quais são realmente os problemas. E nos Estados Unidos nós estamos modificando a nossa política de drogas com o resultado do meu trabalho e de pessoas que trabalham e pensam como eu. Existe agora uma consciência nos Estados Unidos de que as drogas não são o problema, nós ficamos muito desapontados com o nosso presidente durante o seu primeiro mandato porque ele ignorou completamente essa questão, então vários de nós e jovens também, estavam tentando pressioná-lo, ainda assim ele não fez tanto quanto gostaríamos que ele tivesse feito. , iIsso é uma lição para todos nós, não é porque é uma pessoa é negra, que isso significa que a mesma esteja ela está do seu lado te protegendo, nós temos então que exigir dessas pessoas que elas façam o que tem de ser feito.
Como os jovens podem superar as drogas? Como expressar dizer que eles são mais fortes que as drogas?
Eu não sei o que você quer dizer quando fala que os jovens são mais fortes que as drogas. As drogas não são algo a ser superado, esse que é o problema; , é como dizer que os jovens podem superar os automóveis, nós estamos no mundo onde coexistimos com as drogas e nós temos que compreender como utilizá-las, de tal maneira que a gente possa aproveitar os aspectos positivos e diminuindo o impacto negativo. Você já transou alguma vez? O sexo é uma coisa que tem potencial de ser perigoso, como o risco da AIDS por exemplo. , mMas também tem o potencial de ser agradável. Eu não pediria a você para superar o sexo, eu iria convidá-lo a aprender a fazer sexo de maneira segura, de maneira a ampliar os benefícios e diminuir os riscos, nós deveríamos pensar sobre as drogas exatamente da mesma maneira.
Qual o tratamento da mídia norte americana com os negros usuários de drogas ilícitas?
A mídia trata da mesma forma como trata a mídia daqui. Provavelmente a mídia brasileira aprendeu a fazer isso com a mídia norte americana, os Estados Unidos exportaram seu racismo pelo mundo afora.
Uma pesquisa sobre um usuário de craque preferir uma nota de 20 dólares à droga, qual o motivo na sua perspectiva?
Usuários de drogas sejam eles ratos ou seres humanos, eles não vão escolherão a droga quando há uma alternativa mais interessante. Pense em você, pense em algo que você realmente deseja, você vai escolher fazer isso, se for realmente mais atraente, para você ao invés de usar a droga, , iIsso significa que você deve assegurar que as pessoas dessa sociedade tenham oportunidades, oportunidades econômicas, trabalho, emprego, de tal maneira que essas pessoas possam se sentir melhores em relação a si próprias. , iIsso não é complexo como uma ciência espacial, é simples! Nós todos sabemos disso, mas não nos importamos quando determinados tipo de pessoas tem problemas com drogas, principalmente quando as pessoas que são usuárias de drogas não se parecem com os seus líderes políticos, no Brasil temos uma população afrodescendente de cerca 50 por cento, menos de 5 por cento de seus líderes políticos são de descendência africana, isso é absolutamente absurdo, vergonhoso! Nos Estados Unidos muitas pessoas nem sabem que existem negros no Brasil, porque os únicos brasileiros que vemos nos Estados Unidos são brancos, vocês precisam fazer algo para mudar isso, se vocês não fizerem nada para mudar essa realidade, nada será feito!
Carl Hart é o primeiro neurocientista negro a se tornar professor titular de Ciências na Universidade de Columbia (EUA). Autor do livro Um Preço Muito Alto: a jornada de um neurocientista que desafia nossa visão sobre as drogas.
A Tradução consecutiva da palestra foi feita por a: Raquel Luciana de Souza