O painel Trajetórias Educacionais de Mulheres Negras egressas de Quilombos Educacionais acontece no dia 26 de julho, na Reitoria do IFBA
Desde o dia 1º de julho, os Movimentos de Mulheres Negras do país e da América Latina estão realizando atividades dentro da programação do 12º Julho das Pretas – Mulheres Negras em Marcha por Reparação e Bem Viver, a partir da construção de uma agenda coletiva, que comemora recorde de participação e de atividades registradas. No total são 533 atividades, realizadas por mais de 250 entidades, em 23 estados e no Distrito Federal.
O Instituto Cultural Steve Biko participa da programação do Julho das Pretas no dia 26, com o painel Trajetórias Educacionais de Mulheres Negras egressas de Quilombos Educacionais, que acontece às 19 horas, na Reitoria do IFBA, no bairro do Canela, em Salvador. O painel da Biko vai reunir as pretas potentes Marinilda dos Santos (doutora em Literatura), Luzivania Souza (bacharel em Direito), Raquel Souza (graduanda em Jornalismo) e Silvana Oliveira (doutoranda em Saúde Coletiva).
Para a diretora pedagógica do Instituto, Jucy Silva, a Biko sempre incentivou o protagonismo das mulheres negras e, sendo assim, é muito importante integrar o Julho das Pretas e fomentar as vozes das mulheres negras pelos quatro cantos do país.
De acordo com a coordenadora Executiva do Instituto Odara, Naiara Leite, que puxa o bonde do Julho das Pretas, há 12 anos, o Julho das Pretas tem sido realizado em conjunto com outras organizações de mulheres negras “provocando o fortalecimento da denúncia e da luta das mulheres negras, a partir de uma agenda política coletiva de incidência: o Julho das Pretas”.
A coordenadora afirma ainda, que “o Julho da Pretas tem como objetivo anunciar, denunciar para o mundo e para o país qual é a situação das mulheres negras e em que elas têm atuado para mudar e transformar esta perspectiva, para expor e alertar para os impactos do racismo patriarcal, sobre a forma de como este racismo, proveniente de um histórico de escravização, de colonialidade, tem atravessado a vida de meninas e mulheres negras”, reforçou Naiara.
A Biko conversou com a coordenadora Executiva do Instituto Odara que falou um pouco sobre as expectativas e os objetivos do Julho das Pretas deste ano.
Steve Biko: Há alguns anos o Instituto Odara realiza o Julho das Pretas, qual o objetivo do evento e como ele contribui para o combate ao machismo e ao racismo no Estado e no Nordeste?
Naiara Leite: Desde 2013, o Instituto Odara tem, junto com outras organizações de mulheres negras, provocado o fortalecimento da denúncia e da luta das mulheres negras, a partir de uma agenda política coletiva de incidência que é o Julho das Pretas, que tem como objetivo anunciar, denunciar para o mundo e para o país a situação das mulheres negras e o que que as mulheres negras têm feito para mudar e transformar suas realidades, para denunciar e alertar para os impactos do racismo patriarcal e como este racismo patriarcal, a partir de um histórico de escravização, de colonialidade, tem atravessado a vida de menina e mulheres negras.
Mas, para além de denunciar, o movimento de mulheres negras tem apresentado estratégias, apresentado ações que efetivamente têm transformado a realidade em suas comunidades, em suas organizações, em seus estados, em seus municípios. O Julho das Pretas visibiliza o que as mulheres negras tem feito nos diversos lugares onde as mulheres negras têm atuado, por isso, ele (o Julho das Pretas) tem se tornado tão potente, não só na Bahia, onde nasce, mas em toda a região nordeste e hoje no Brasil inteiro, porque dá conta de produzir um impacto que tem a ver com a narrativa das mulheres negras, tem a ver com o fortalecimento dessa luta coletiva e histórica que há muito tempo as mulheres negras vem denunciando, que é a forma como o racismo e o patriarcado tem afetado as suas vidas .
Steve Biko: Como o tema deste ano dialoga com o que tem ocorrido na nossa sociedade?
Naiara Leite: O tema desta 12ª edição é um tema caro e é extremamente importante, pois ele dialoga com uma dívida histórica, com uma luta histórica do movimento negro brasileiro e com os movimentos negros na diáspora, porque voltar para repensar qual foi o impacto real e o que os países e os estados devem às populações de descendentes de africano no mundo, em função dos processos de colonização, de massacre, de escravização que reverbera ainda hoje com o fenômeno que a gente vive, o projeto de genocídio no Brasil, que tem aí um conjunto de estratégias para aniquilar as populações negras em toda diáspora. Então, o tema da reparação dialoga a partir desta perspectiva e reforça, inclusive, a partir de uma experiência histórica que o Brasil tem de movimento negro, de organização política negra: a de pensar qual é o projeto de sociedade. Para discutir este projeto de sociedade, a gente precisa voltar para apresentar o que o Brasil nos deve, o que os outros países, que aproveitaram e se beneficiaram dessa escravização, desse aniquilamento, desse processo de execução dessas populações negras têm para nos reparar enquanto povo, enquanto população.
A outra perspectiva do tema deste ano é o que as mulheres negras têm anunciado é de uma chamada para pensar o bem viver, que é a nossa cosmovisão de um projeto de nação, de um modelo de país, de sociedade em que as mulheres negras e toda sociedade estejam incluídas e que atravessem uma perspectiva de enfrentar os modelos capitalistas, desenvolvimentistas, que estão em curso e determinam o fazer política, seja econômica, seja de outras perspectivas na sociedade brasileira.
Steve Biko: A programação é bem diversificada e vai ocorrer em alguns Estados. Como a programação foi construída, qual a metodologia usada?
Naiara Leite: A programação do Julho das Pretas deste ano é muito diversa, são mais de 600 atividades. É importante a gente dizer que tem muitas organizações realizando atividades no interior do país e que muitas vezes não têm condições que essa atividade seja colocada na agenda ou por não conseguirem tempo, então, são mais do que 600, a gente tem a programação em todos os municípios e estados do Brasil. Acredito que o Julho das Pretas, desde o seu nascimento, a nossa ideia era muito de dizer ‘o Julho das Pretas é um movimento de mulheres negras, ele é uma ação coletiva de mulheres negras no sentido de protagonizar e fortalecer a sua luta’, então, a metodologia que a gente usa, é uma metodologia de autonomia, em que as organizações dialoguem, onde os temas centrais trazem para as mulheres uma perspectiva de como elas atrelam e veiculam a ação política, que elas já estão desenvolvendo na sua agenda, no seu território, a partir da organização com esses grandes temas que o Julho provoca.
Então, é importante que as quilombolas, que estão organizando suas agendas do Julho das Pretas para fazer sua roda de conversa com as mulheres, pra fazer encontro, fazer audiências, elas vão dizer, a partir da sua perspectiva, vão orientar e organizar sua programação, na compreensão do que para elas é reparação e bem viver, na compreensão do que para elas são os temas conjunturais que têm atravessado a sua organização, sua vida, o seu acesso a direitos, o acesso a territórios. Essa é a metodologia, é garantir a autonomia, a partir do lugar da produção, do conhecimento, de narrativa, de ação política, de cada grupo ou segmento de mulher negra, é garantir na perspectiva de apropriação do movimento de mulheres negras, o Julho das Pretas é do movimento de mulheres negras, o Julho das Pretas não é um evento, é uma ação estratégica e política, é uma agenda coletiva de mulheres negras. Então, essa perspectiva eu acho que dá esse tom de que você tem tantas atividades e que você tenha esse conjunto de mulheres e de ações tão diversas: você tem encontro, tem chá, tem slam, tem batalha de hip hop e um conjunto de ações que tem a ver com o que nós somos, na perspectiva de que nós somos múltiplas, somos muitas e que fomos ao longo da caminhada, encontrando estratégias diferentes para enfrentar o racismo patriarcal.
Steve Biko: Qual a mensagem que vocês querem passar este ano nas escolas?
Naiara Leite: Esse ano a gente tem, de novo, um ano muito forte no Julho das Pretas nas escolas. O Julho das Pretas nas escolas foi criado há algumas edições e foi sendo ampliado. O que começou com uma articulação do educador/a, depois sai e vai para o Estado e agora ela tem uma cara de Julho das Pretas nas escolas em toda região nordeste. São mais de 170 atividades e o que a gente quer nesta edição do Julho é chamar a atenção sobre alguns pontos: primeiro que nós precisamos que as escolas de fato apliquem a Lei 10.639, depois de mais de 20 anos de sua vigência; A segunda mensagem, é que a gente quer com o julho das pretas nas escolas, e é central para nós, pra enfrentar todos os dados negativos com relação ao acesso à educação, é que a gente precisa ter ações efetivas de combate ao racismo pra gente não vivenciar o fenômeno do sucateamento das escolas, da distorção das séries, da evasão escolar, da gravidez na adolescência, do progresso da incitação à violência que tem ocorrido nas escolas e, pra isso, é importante que a gente tenha uma política e que a Lei 10.639 funcione de maneira efetiva, nas condições reais para que nós possamos constituir perspectiva de combate ao racismo nas escolas.
Outra perspectiva deste ano do Julho das Pretas nas escolas é chamar a atenção sobre este momento de debate nacional sobre o Plano Nacional de Educação e o que as escolas, a partir do diálogo, pensando direção, coordenação, corpo docente, estudantes e a gestão pública da educação, nos estados, está pensado do ponto de vista desse novo Planos Nacional de Educação - 2024 a 2034. Qual perspectiva a gente quer construir do ponto de vista da Lei 10.639, mas na perspectiva de um plano que valorize a educação étnico racial, que valorize, num país como esse racista, a educação étnica racial, pra gente mudar a perspectiva e o lugar da população negra? São esses os chamados que a gente tem pensado.
Do ponto de vista da juventude, acho que tem dimensões diferentes. Primeiro, o Julho das Pretas nas escolas é a possibilidade de incitar essa participação efetiva em uma escuta mobilizatória, de juventudes para pensar a educação, o direito à educação e como essa educação tem se constituído e essas instituições têm fortalecido estratégias de aniquilamento também. Uma outra perspectiva é que nos espaços de produção das ações do movimento de mulheres negras, existe um diálogo o tempo inteiro de resgate a essa memória das mulheres negras, da história da população negra e numa perspectiva de efervescência de uma leitura crítica do mundo, da sociedade brasileira, sobre o impacto do racismo, a partir da ideia da escravidão, da opressão.
Temos desta forma um debate caro em que a juventude vai se aproximando nas diversas faixas etárias, por exemplo, sobre o que é reparação, por que a população negra tem clamado por reparação? Porque as mulheres negras têm chamado para a construção de um novo projeto de nação centrada no bem viver para que meninas negras não precisem sair da escola, para que elas consigam sonhar com a possibilidade de um mundo que elas possam escolher o que elas querem ser, onde elas possam ter acesso a saúde sexual reprodutiva? Onde elas possam ter acesso a direitos, a uma vida sem violência, onde elas não precisem sair da escola, onde elas tenham uma escola de qualidade, onde elas consigam acessar a universidade, o mercado de trabalho em condições dignas. Então eu acho a programação do Julho das pretas, seja nas escolas, seja na produção do movimento de mulheres negras tem esse impacto pra juventude, para as mulheres negras, que é de pensar e construir narrativas e mundos diferentes onde seja possível a gente deslocar o lugar da população negras, das mulheres negras.
Sobre a Lei 10.639
A Lei 10.639, que torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira em sala de aula, completou 20 anos em 2023. Desafios como falta de fiscalização, racismo e estrutura precária de ensino dificultam a efetivação plena da Lei.