Indiferente ao acirramento das desigualdades sociais, já latentes e potencializadas em períodos de pandemia do COVID-19, o INEP, órgão ligado ao MEC, iniciou no último dia 11 de maio as inscrições para o ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio. No entanto, para nossa surpresa e total indignação, frente a uma grande mobilização nacional para o adiamento das provas, o atual ministro manteve as datas previstas para ocorrerem o ENEM nos dias 01 e 08 de novembro de 2020. Argumentou que a maioria das pessoas que prestam o exame já terminou o ensino médio e não seria afetada pela suspensão das aulas presenciais das escolas públicas e privadas. Entretanto, no ano passado, 28,8% dos inscritos no ENEM ainda estavam cursando o ensino médio, um número nada desprezível.
Nós, do Instituto Steve Biko, acompanhamos ao longo dos últimos vinte oito anos as estratégias que a população negra vem desenvolvendo na tentativa de minimizar os efeitos das desigualdades sociais no acesso ao Ensino superior. Sabemos que não existem saídas individuais para questões sociais e estamos vivenciando os efeitos do importante isolamento social que nos coloca, ainda mais, em situação de desigualdade nessa preparação remota rumo ao ENEM. Isso ocorre, por diversos fatores, tais como dificuldades em acesso à internet e material didático nas casas, as questões emocionais, as previsões de colapso da saúde pública, desemprego e fragilidades dos empregos informais, além da insegurança em relação aos empregos formais, dentre outros motivos.
Há algum tempo, estamos vivendo um momento de desmonte da educação pública e gratuita. Não podemos imaginar as declarações do atual ministro do MEC como ideias sem uma intencionalidade ou fora de um projeto político, por mais cruel que isso nos pareça. Em reunião no início do mês de maio, ele declarou para os senadores que o ENEM não foi feito para corrigir injustiças. Um discurso bastante alinhado com seu antecessor no cargo, que em janeiro do ano passado afirmou que a universidade “não é para todos”, mas “somente para algumas pessoas”. E sabemos quem são os grupos historicamente privilegiados no Ensino Superior.
Temos ciência de como tem sido difícil, para muitos, manter a rotina de estudos frente às inúmeras barreiras e o quanto isso pode ser desestimulante. Esperamos poder colaborar, de alguma forma, para minimizar alguns desses danos, e para que as frases de efeito da propaganda do ENEM, lançadas no início deste mês, possam tornar-se uma realidade: “não podemos parar”, “é preciso ir à luta”, “se reinventar e superar”, “de qualquer lugar, de diferentes formas”. No entanto, essas e outras frases, assim como o cenário no qual os jovens da campanha são filmados, desconsideram as adversidades e diversidade dos lares e das condições de estudo da maioria dos brasileiros. Uma contradição, já que “Nenhum brasileiro deve ser deixado para trás”.
Por isso, somos contra a realização das provas do ENEM em novembro!