Moradores do bairro do Garcia, professores e estudantes participaram nesta quinta-feira (23) do Seminário “A Fazenda Garcia em valores afro-brasileiros: Memória, Ancestralidade e Oralidade”, no Colégio Edgard Santos. O evento integrou o programa OGUNTEC – um conjunto de ações destinadas ao fomento à Ciência e Tecnologia desenvolvido pelo Instituto Cultural Steve Biko.
O Seminário é fruto do estudo de um grupo de alunos do Oguntec, responsável pelo Desafio de “Memória”. São mais quatro Desafios. Na ocasião, estudantes do Oguntec - que tem como público-alvo estudantes afrodescendentes oriundos das escolas públicas estaduais - iniciaram o Seminário falando sobre a importância da memória, ancestralidade e oralidade de um povo.
“O Seminário buscou promover a reflexão da importância da história e memória da Fazenda Garcia, com a finalidade de elevar a autoestima dos moradores. A ancestralidade, oralidade e memória são importantes símbolos de resistência para a construção da história afro-brasileira”, disse o estudante Paulo de Jesus.
A assistente pedagógica do Oguntec, Carina Alves, explicou que neste ano o curso tem a temática de Estímulo ao Empreendedorismo e Inovação, e é composto por cinco partes: história do bairro, resíduo sólido, acessibilidade, água e energia. O Oguntec conta com a parceria da DOW Química.
“Queremos demonstrar a importância da mobilização, do resgate desses valores para o povo negro. Graças à ancestralidade, memória e oralidade, a cultura afro-brasileira permaneceu com o passar do tempo”, destacou Carina.
Convidados – Compuseram a mesa do Seminário, os professores Adelmo Duarte, João Barroso e Maria Auxiliadora. O primeiro falou sobre a história do bairro, trazendo uma perspectiva histórica desde a Bahia Colonial.
“O Conde dos Arcos e Garcia D’ávila foram os provedores de muitos terrenos no local, e ainda hoje existem muitos que são da Santa Casa de Misericórdia, da qual eram aliados. Em dado momento, o Comendador Bernardo Martins Catarino começou a comprar partes da região que se chamava Quinta Garcia D’ávila”, contou Adelmo.
A professora Maria Auxiliadora falou sobre a educação e a importância do Centro Educacional Edgard Santos para a história do bairro. “A escola foi fundada em 1965, como o governo militar tirou os exames admissionais, muita gente começou a estudar com idade não usual. Mas fizeram reformas horrorosas, mudaram as metodologias mas não treinaram os professores, os livros tinham respostas prontas que impediam o professor de estabelecer uma reflexão em sala de aula”, contou Maria.
Ela continuou: “Os militares pensavam em formar mão de obra para trabalho braçal, não para o pensamento. Tirou as aulas de francês, latim, filosofia, sociologia e diminuiu as aulas de história e geografia. Aumentou a quantidade de alunos mas diminuiu muito a qualidade”, finalizou.
Neste momento, a diretora e professora do Colégio, Lucinete Nascimento, ressaltou que “para além de todos os problemas e decadência física das escolas públicas, o que mais me preocupa é a formação política não só do aluno, mas também do professor. O que percebo é que muitos professores acabam entregando os pontos. Devemos resgatar a autoestima dessas pessoas que estão em sala de aula e que gerem a educação”.
As expressões culturais do bairro do Garcia foram ressaltadas pelo professor João Barroso. “O Garcia soube aproveitar o calendário de festas da cidade. A primeira grande manifestação acontecia no primeiro dia do ano, celebrando a Nossa Senhora de Lourdes – padroeira do bairro. A procissão saía do Garcia ao Campo Grande e era recebida com entusiasmo pelo governador”, contou o professor
João contou que a festa não acabava por aí. Em março havia a queima de Judas, o quebra-pote e o pau-de-sebo, seguido dos festejos de Sábado de Aleluia e Domingo de Páscoa. As Escolas de Samba Filhos do Garcia, Netos do Garcia e Juventude do Garcia não ficaram de fora da reflexão. No final, o compositor Luiz Bacalhau cantou alguns dos enredos das antigas Escolas.
Maria de Lourdes, de 92 anos, moradora do bairro desde 1965, não conteve a emoção ao ouvir as histórias do bairro, muitas das quais ela participou: “quando eu era garota falava que nunca ia morar no Garcia, o chão era todo de barro. Mais velha acabei vindo morar aqui, paguei a língua, mas curti momentos maravilhosos, os desfiles das escolas de samba, e lembro quando todo mundo podia dormir de janela aberta que ninguém ‘mexia’”.
Já a diretora pedagógica do Instituto Steve Biko, Tarry Pereira, finalizou: “provocar um seminário que traz a história do bairro do Garcia é um viés para entendermos diversas outras coisas, de provocar no outro o olhar mais atento. A juventude precisa acordar para que os mais velhos tenham descanso. A educação é conscientização e transformação”.
O Oguntec será encerrado em dezembro, quando estudantes de outros Desafios apresentarão suas soluções inovadoras para beneficiar a comunidade. Confira aqui mais informações sobre estes Desafios.