O Instituto Cultural Steve Biko Biko vive e continua dando belos sinais de que a resistência faz-se pela Educação. Depois de quase 31 anos de história e pioneirismo no país na preparação de pessoas negras para o ingresso no ensino superior e com uma trajetória de preocupação com a cidadania da comunidade negra, o Steve Biko, a cada ano demonstra o seu papel relevante na transformação da realidade de inúmeras famílias baianas, por meio o acesso ao ensino superior.
Hoje, estamos celebrando mais uma conquista, que é nossa, da Raianna Santos, e de toda sua família. A bikuda, estudante do pré-Biko 2023, da turma Maria Felipa, foi aprovada no vestibular da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), no curso de Letras com Inglês. De uma família nada convencional, a Raianna, 18, tem duas mães negras e aprendeu, desde cedo, que a persistência, a luta são algo inerente à existência das mulheres negras no Brasil e em sua nova trajetória, espera adentrar diferentes espaços e ser exemplo para abrir caminhos para outras pessoas.
“Estar no curso pré vestibular da Biko, mudou o meu olhar e possibilitou que eu observasse de outra maneira toda a minha trajetória, me fez entender os meus próprios passos e que preciso ocupar espaços que socialmente me disseram que eu não poderia. E a biko me fez identificar ainda mais o meu próprio papel social e que mesmo que as pessoas me digam que o meu lugar não é aquele, eu irei continuar, pois o meu lugar é onde eu quero estar e ninguém, além de mim, pode dizer onde eu devo estar. O que abre uma outra questão: o fato de além de ser mulher, eu sou negra, e vou continuar sendo testada sobre a minha capacidade e sobre tudo aquilo que eu faça. A Biko me fez ver que posso e tenho que estar nos lugares para me verem, assim, aqueles que estão me vendo se reconhecerem”, conta Raianna.
Joise Santos, 41, mãe de Raianna, filha de mãe solo, negra que trabalha desde criança ajudando a mãe, como ambulante, vendendo lanches, atuou como professora de Biologia da Biko e hoje é doutoranda do curso de Nutrição da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Como professora, acredita que contribuiu para ajudar no engajamento dos estudantes. “Era uma troca fantástica. Raianna ia pequena com a gente para a Biko porque não tínhamos com quem deixar ela”. E continua: “ Nossa trajetória serve de estímulo para continuar. Cheguei até aqui contra todas as perspectivas adversas, mas os desafios continuam porque as barreiras do racismo estão em todo lugar, inclusive nos espaços profissionais. Nosso povo ainda não é tratado com dignidade e equidade, nossas famílias ainda enfrentam dificuldades mil. Para sentir que o sucesso chegou, seria necessário chegar a todos”, afirma.
Vinda de uma infância de pobreza e de fome, de um núcleo familiar de 14 irmãos, que tiveram que lidar com a perda precoce dos pais, Sueli Santos, 50, foi a única da família a ingressar na universidade e sempre considerou a Educação como o principal meio de vencer na vida. “Eu sabia que a única forma de vencer a miséria era por meio dos estudos. Sempre fui muito estudiosa mas não conseguia ingressar na universidade. Até que soube, por uma amiga, da Biko e ali sabia que era a minha oportunidade de romper o ciclo de miséria e aproveitei a oportunidade da melhor maneira possível”, relembra Sueli.
A importância do Instituto Steve Biko com as trocas intergeracional na vida dessas mulheres é a ponte para transformar vidas, construir mecanismos de acesso à políticas educacionais, conquistadas por intermédio de lutas de Bikudxs, a exemplo da conquista da isenção, que possibilitou que jovens negros, pobres, tivessem a possibilidade de não pagar a inscrição do vestibular da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em 2004, cuja participação da Sueli foi fundamental como estudante do pré-vestibular.
“Juntamente com outros colegas formamos um grupo de estudos muito bom, a gente sabia que no final do curso estávamos preparados. Também convoquei os colegas para brigar pela isenção na UFBA. Só hoje tenho noção do que fiz, pois a UFBA teve que prorrogar as inscrições e conceder a isenção. Isso foi fruto de nossas aulas de CCN (disciplina de Cidadania e Consciência Negra), diferencial do Instituto Steve Biko, que passamos a ter consciência de nossos direitos e da importância de exigir reparação”.
Até 2004, os estudantes que quisessem se candidatar ao vestibular de uma instituição pública teriam que pagar uma taxa de inscrição no valor de no mínimo R$ 80 reais, a depender da universidade, sem distinção de classe social ou da instituição de ensino que estudaram (pública ou privada). Após a adoção da isenção - uma conquista encabeçada pelo Instituto Steve Biko, estudantes que cursaram escolas públicas, que se autodeclararam pretos/as, pardos/as e indígenas, passaram a ver o acesso ao ensino superior como uma possibilidade e mudança social e econômica.
A isenção da taxa de inscrição nos vestibulares de universidades públicas foi fruto da luta do Instituto Cultural Steve Biko com o apoio de movimentos sociais. E hoje é considerado um importante legado para os jovens negros e negras em todo país.