Aos 79 anos, a professora de sociologia Ida Mukenge fala baixo e pausadamente, como se estivesse em sala da aula, ensinando seus alunos da Morehouse College, na Geórgia (USA). Há 50 anos, ela exerce a função na Universidade voltada para jovens negros. Desde 1994, quando veio ao Brasil pela primeira vez, já fez várias visitas.
Desta vez, o motivo foi, especialmente, uma visita ao Instituto Steve Biko que, nas palavras da norte-americana, desenvolve um trabalho com “sucesso extraordinário”. Com uma agenda extensa, ela também conheceu o programa Oguntec, ativo nos últimos 2 anos no Colégio Edgard Santos (Garcia).
Na última quinta-feira, 29, ela participou da aula de Cidadania e Consciência Negra (CCN), na sede do Instituto. “A Biko tem um sucesso extraordinário. Combinam compromisso cívico, com conscientização do patrimônio africano e com e os estudos de Matemática, Ciências, outras disciplinas para se passar no vestibular”, contou a professora.
Parceria - A coordenadora de intercâmbio da Biko, Ana Luísa Dias, explicou que o interesse da professora é tentar entender como a consciência negra contribuiu para o processo formativo da juventude negra.
“Ela já é parceira da Biko desde 94. A primeira vez que ela veio a Salvador teve a oportunidade de conhecer o instituto e, desde então, tem ido e voltado diversas vezes, com vários tipos de parcerias. Dessa vez, ela conseguiu uma bolsa para vir desenvolver uma parceria de pesquisa com a Biko”, contou Ana Luísa.
Estão previstos, ainda, dois retornos da socióloga ao Brasil para conhecer ainda mais a fundo o trabalho desenvolvido com jovens negros soteropolitanos. A nova visita ocorrerá em outubro e a seguinte, em 2020. Há 21 anos, ela ajudou a encaminhar três jovens negros da Biko para estudarem na Morehouse, universidade voltada exclusivamente para rapazes negros. “Acho que nós podemos fazer o mesmo sucesso da Biko se seguirmos os exemplos”, acrescentou Ida.
Aula - De frente para jovens que cursam o pré-vestibular do Instituo, Ida foi apresentada pela diretora pedagógica da Biko, Tarry Cristina Pereira, como uma mulher de “um ativismo muito importante e que reverbera em todo os Estados Unidos”. “Neste passo que a Biko está dando de construir uma faculdade negra, é importante ter aqui a presença de uma professora como Ida”, anunciou.
Para os alunos, Ida explicou como funciona o sistema de ensino em que a Morehouse está instalada – a universidade faz parte de um conglomerado de instituições negras em Atlanta. Relembrou que o ex-presidente Barack Obama recebeu um título honorário na Morehouse e que objetivam ter contato com os estudantes antes de eles adentrarem no ambiente acadêmico.
Ida contou, ainda, suas experiências em diferentes países africanos. “Isto que é ser uma mulher empoderada”, gritou uma das estudantes que assistia à apresentação da socióloga. Apesar de ter conhecido grande parte do mundo, ela contou, ao ser questionada pelos estudantes, que foi nos Estados Unidos, seu país de nascença, onde sentiu o racismo de forma mais intensa.
A estudante Jeisiane Silva, 19, ficou interessada na trajetória da norte-americana. “Eu achei inspiradora pela idade que tem e por ela estar lecionando há mais de 50 anos, além de ajudar na entrada de pessoas pretas no mundo acadêmico”, destacou a jovem.
Ao ser questionada por outra estudante sobre que conselho ela daria à juventude negra de Salvador, Ida ressaltou que “se deve ter a noção de onde veio, manter o compromisso com as próprias raízes, pensar em termos de comunidade e trabalhar coletivamente”. Justamente a Filosofia que o Instituto Steve Biko vem pautando em seus 27 anos. Volte sempre, Ida!