Há 12 anos, ela leva aos alunos e alunas do pré-vestibular da Biko a Literatura brasileira de uma forma diferenciada. Além de se unir a outros professores, ela também leva à sala de aula convidados especiais, a exemplo de escritor@s, em especial negros e negras, de modo a divulgar e fortalecer a Literatura afro-brasileira. A professora de Literatura, Sandra Souza fala sobre este ensino diferenciado aos alunos da Biko, confira:
Biko - Como a Biko influencia seu ensino de Literatura?
Sandra Souza - Trabalhei em alguns projetos da Instituição, dei aula de Cidadania e Consciência Negra, o que mudou radicalmente meu modo de ensinar. Desde 2007, leciono Literatura e, hoje, também faço um trabalho em conjunto com a equipe de Linguagens, em relação à produção textual. Considero que me formei como educadora na Biko. Foi aqui que conheci a Lei 10.639/2005, tive contato com os Cadernos Negros e mudei totalmente meu olhar em relação à Literatura. Amo essa área, mas eu só conhecia autores brancos, na maioria homens, e seu modo de representação. Aqui, passei a conhecer, a ler escritoras e escritores negros. Não há como não se apaixonar e mudar tudo. A partir daí, entendi que a literatura é um espaço também para nos curar. E a Biko, por conta disso, também influenciou meu projeto de Mestrado, pois estudo a representação da estética negra nos contos de Cadernos Negros. Foi a Biko que me colocou nesse caminho. Tenho muita gratidão por isso.
"As aulas de Sandra trazem uma Literatura diferente da passada na escola pública, é uma aula onde temos muito mais contato com a escrita de verdade e a representatividade dentro da mesma. Me descobri poeta, não acreditava no meu potencial de escrita e nunca tinha me nomeado poeta. Descobri também a importância de expor a minha escrita, pois eu não me via representada. Acreditava que não poderia representar ninguém através disso. Tudo isso a Biko e as aulas de Sandra me mostraram." - Carol Cerqueira (Poeta no Coletivo ZeferinaS)
Biko - Como tem sido pra você cada aula junto aos estudantes do Pré-Vestibular? Em que se diferencia em sua trajetória em sala de aula?
Sandra Souza - No primeiro dia que dei aula na Biko, ainda em 2005, eu estava muito nervosa, ansiosa. Eu pensava: darei aula para estudantes da Biko. Isso tem uma força, isso nos diferencia. Sentia que tinha de pesquisar mais, de saber mais pra dar a melhor aula para aquelas pessoas, que eram muito especiais. É assim até hoje. Eu me emociono nas aulas inaugurais. Quero inovar, não ser repetitiva, pois cada turma é uma turma, entra muita subjetividade aí. Então, se há algo que eu possa dizer que é e tem de ser diferente é no campo da afetividade. Elas, eles estão ali esperando de nós, além dos conteúdos, o acolhimento. Então, pra mim, a questão da afetividade na relação do processo ensino-aprendizagem é fundamental, junto com muita alegria.
Biko - Quais têm sido os principais desafios dos alunos? E as conquistas, ao seu olhar?
Sandra Souza - Sabemos o quanto o conhecimento formal está longe deles quando chegam na Biko. A maioria vem de escola pública e, infelizmente, sabemos como funciona. É uma negação de tudo. Há muita defasagem em relação aos conteúdos. O primeiro desafio é levantar sua autoestima, dizes a el@s que el@s podem passar numa Universidade, que podem entrar na UFBA, na UNEB... Todos os professores trabalham nesse sentido. A grande maioria chega sem gostar de ler, ou sem saber a importância da leitura e da escrita. Esse é o grande desafio na minha área, e isso afeta as outras áreas também. Então, despertar nelas o gosto pela leitura é um desafio diário, é o ano todo. Sabemos que temos de começar pelos nossos escritores negras e negros pra despertar nos nossos estudantes esse gosto, e levantar sua autoestima. Pra mim, as nossas conquistas vêm a partir daí. Eu sempre sorteio livro e revistas na sala. Nossa, é uma briga! (risos). Mas, veja bem, valorizar a escrita e a leitura não é hierarquizar conhecimentos. Pelo contrário, dizemos primeiro o quanto sua vida é importante, sua trajetória, seus saberes, e valorizamos muito os saberes ancestrais e a oralidade. O que fazemos é agregar conhecimento para el@s e para nós. Essa é uma grande conquista.
"A Literatura apresentada no Ensino Médio parecia pertencer apenas aos homens brancos. A professora Sandra trabalha em sala de aula textos de José Carlos Limeira, Cristiane Sobral, Chimananda Ngozi, Conceição Evaristo (que pra mim é a nossa jóia dourada e diva da Literatura Brasileira), Oswaldo de Carvalho, e diversos outros autores do Cadernos Negros...Uma literatura nunca vista antes e que me fez encantar. Ela contribuiu muito para minha formação identitária, social e literária, e por fim, aprendi também a rasurar, furar e brocar na produção de texto!" - Taís Almeida
Biko - Como você tem diversificado a aula, a disciplina, de modo a fazer a diferença na área para eles, elas?
Sandra Souza - Bem, primeiro, defendo que Língua Portuguesa é uma coisa só. Não pode haver dicotomias entre Literatura e Gramática ou com Redação. Não existe isso entre a gente. A equipe de Linguagens da Biko é maravilhosa: além de mim, Ivo Ferreira, Luciana de Souza e Carla Marinho. É um grupo muito bom e com muita sensibilidade. Busco as mais variadas formas de linguagem para trabalhar: a música, o cinema, a fotografia, a charge, as Artes Plásticas. Sempre dialogando com outras formas de expressão e leituras de mundo. Se leio um poema de Gonçalves Dias, posso também, pra discutir o tema de representação da nação, trazer uma música, uma fotografia, um poema de Jamu Minka de Cadernos Negros. Eu acho que assim é pensar e trabalhar em rede. Já é tradição nas minhas aulas o sorteio de livros e revistas; eles gostam muito e eu fico feliz de levar esse material quase sempre. Sempre busco trazer convidados de fora, geralmente poetas, professores pra falar de seus textos, sua poesia, suas pesquisas. Desde 2013, por exemplo, venho mantendo um diálogo e uma parceria com o Professor Leonardo Campos, Mestre em Literatura e Cultura pela UFBA e pesquisador de cinema. Produzimos material específico para distribuir com os estudantes, como apostilas, documentários, filmes. Este ano, já trouxemos a professora, escritora e poeta Lívia Natália, com sorteio de seus livros, o professor Leonardo falou da Representação do Negro nos Filmes de Terror. Tudo isso é muito enriquecedor
"A Literatura hoje muito me interessa graças a ela. Aprendi que a Literatura é feita, antes de tudo, para dar prazer e provocar reflexão. A minha querida professora Sandra compartilha sua sapiência, temperada com alegria sempre., tornando leve o aprendizado sobre as figuras de linguagem, os gêneros literários e as variações linguísticas. Ela faz a gente ter esperança em um mundo melhor! Sou só gratidão, Sandra Souza!" - Taís Almeida, vencedora no 1º lugar do Concurso de Redação "Essa cidade não se deixa ser de Oxum", realizado por Sandra e a equipe de Linguagens do Pré-Vestibular.